Donato Sartori – Tradução: Julio Adrião

Recordações

Minha vida, pode-se compreender facilmente, foi marcada por acontecimentos estranhos, desconhecidos por um menino ‘normal’. Quando pequeno, meu maior pesadelo era quando, depois do jantar, chegava Agostino Contarello, ator e comediógrafo que na época se afirmava na área cultural Vêneta com publicações de textos teatrais além de interpretar o personagem ‘Pantaleão’ no Piccolo Teatro de Milão. Digo pesadelo pelo fato de que cada vez que precisava passar estes textos, gostava de fazê-lo com meu pai. Chegava como um furacão, agitadíssimo, gesticulando e declamando seus textos, fazendo as vozes de todos os personagens: uma hora imitava em falsete uma voz feminina, em outra a voz rouca de um velho, além de interromper repetidamente para salientar o significado de cada texto. Normalmente estas visitas terminavam ao amanhecer, e eu, que dormia na cozinha, único lugar aquecido pela calefação, passava as noites sem pregar o olho em meio aos gritos de Agostino. Neste mesmo período encontrava-se em Padova como professor do Teatro da Universidade de Pádova o mímico Jacques Lecoq. Ele também era uma pessoa de casa, que aparecia para conversar com Amleto sobre máscaras e também experimenta-las. Não eram discussões acadêmicas e abstratas: Eram verdadeiras experiementações das possibilidades de expressão das máscaras feitas por Amleto para os espetáculos. Eu assistia portanto a saltos, ações mimadas e interpretações que me provocavam sensações fortíssimas que jamais pude esquecer. Lembro-me também dos ensaios que Cesco Baseggio fazia, em meio a diversos atores jovens, com sua voz inconfundivel, ainda mais rouca por causa de sua asma: um perfeito ‘Sior Todero brontolon'( N.do T.: Sior Todero ‘resmungão’).
Muitas vezes, quando nos visitava Lecoq, aparecia também Marcello, um ator de pouca estatura, mas com um porte majestoso. Nestas ocasiões nossa casa transformava-se num verdadeiro palco de teatro, animadíssimo, onde tudo era imprevisível. Somente após ter assistido pela primeira vez, acompanhando meu pai, a um ensaio da peça Arlequim, servo de dois patrões no Piccolo de Milão, pude identificar naquele pequeno homem o grande Moretti. Daquele dia lembro-me bem de um momento preciso: Moretti interrompe uma cena e arranca furiosamente a máscara e, deixando perplexos os outros atores, esbravejando de maneira incomum a seu carater tímido e discreto, vai até o camarim, de onde volta logo em seguida com a máscara selvagemente modificada: Tinha alargado com uma tesoura o buraco para os olhos, muito pequenos e limitadores segundo ele, tornando-os enormes e irregulares. A reação de meu pai foi imediata e muito intensa; criou-se um bate-boca entre os dois, logo acalmado pela intervenção pacificadora de Strehler. Este foi o fato que gerou a nova máscara. Pensada e criada em função da fisicalidade do Arlequim de Moretti, que percorria o palco como um felino.
De fato, esfriada a raiva, meu pai criou, em seu laboratório, uma máscara desvinculada da iconografia tradicional da Commedia dell’Arte, e adaptada para um ator de teatro contemporâneo, no caso específico, o Arlequim ‘gato’, deixando os olhos do ator livres para observar o espaço em torno de si, antes de mover-se.
Este e outros episódios do gênero marcaram minha infância; a máscara, objeto ‘mágico’, também exercia em mim um enorme fascínio: Foi impossível permanecer imune à magia que emanava do universo artístico de meu pai. Passava os dias em seu atelier, aos poucos ia conhecendo e aprendendo a manipular o material, seus instrumentos de trabalho, assimilando seus gestos com um entusiasmo quase infantil. Acabei por aprender, sem me dar conta, uma variedade riquíssima de técnicas de escultura juntamente com os segredos da profissão, além de adquirir um conhecimento extraordinário dos materiais, sempre a partir da modelagem, até chegar ao entalhe em madeira, ao trabalho com couro, à fusão de materiais e aos vários sistemas de soldagem entre outras coisas. Assim fui formando, sob a influência das novas correntes artísticas provenientes do além mar, uma identidade criativa que me permitiu tomar parte de diversos projetos com um estilo bem pessoal. Quando a doença de meu pai limitou drasticamente suas atividades, até interrompê-las com a morte, este preparo permitiu-me de enfrentar a quantidade enorme de problemas que pouco a pouco foram aparecendo. Não me foi automático, porém, após sua morte, aceitar esta herança e seguir seu caminho. Buscava meu próprio espaço, onde pudesse ter autonomia para experimentar. A escultura pela qual eu me havia apaixonado era muito diferente daquela de meu pai. Não me interessava mais criar um material que se limitasse a um contexto histórico, de decoração, ou iconográfico para ambientes civís ou religiosos, mas, por meio desses objetos, instaurar uma comunicação social. Logo percebi , porém, a necessidade de defender aquilo que meu pai havia criado, perpetuando-o de maneira viva, e assimilando a rápida evolução da sociedade, de modo que sua obra não se tornasse uma espécie de achado arqueológico. O ponto de encontro foi a criação de esculturas que possuíssem o valor das máscaras, e funcionassem como um instrumento de comunicação . Assim nasceram as Estruturas Gestuais que representarão a tentativa de dar às esculturas vivas uma dimensão social, eliminando a tradicional triangulação artista-objeto-público, e criando um contato direto, um diálogo, uma verdadeira troca entre o autor e o público: A obra deve então funcionar como um catalisador das energias latentes do espectador, tirando-o do estado de passividade que sempre se encontrou, para torná-lo parte ativa e criativa.

texto retirado do livro: Maschere e Mascheramenti / i Sartori tra arte e teatro

Donato Sartori

Ricordi

La mia vita, come si può facilmente comprendere, è stata punteggiata da eventi strani, ignoti a un bambino “normale”. L’incubo per me piccolissimo era quando, dopo cena, arrivava Agostino Contarello, attore e commediografo, che imperversava nell’area culturale veneta con pubblicazioni di testi teatrali e recitava per il Piccolo teatro di Milano nel personaggio di Pantalone. Incubo, dicevo, perchè tutte le “verifiche” di questi testi egli amava farle com mio padre.
Entrava come un ciclone, esagitatissimo, gesticolava e declamava le sue commedie, interpretando di volta in volta i vari personaggi: ora imitava in falsetto la voce femminile, ora interpretava com voce roca la parte del vecchio, e, inoltre, interrompeva spessissimo per puntualizzare il concetto del brano. Generalmente questi incontri finivano all’alba, e io, che dormivo nella cucina, única zona della casa riscaldata dalla stufa economica, passavo le nottate in dormiveglia tra un soprassalto e l’altro alle urla di Agostino.
In quegli stessi anni era a Padova il mimo Jacques Lecoq per l’insegnamento presso il Teatro dell’Università di Padova. Anche lui era di casa, e veniva per discutere di maschere com Amleto, e provarle. Non erano discussioni accademiche e astratte: si trattava di una verifica concreta e concitata delle maschere realizzate da Amleto per gli spettacoli; assistevo, quindi, a salti, azioni mimiche, interpretazioni che sucitavano in me, piccolissimo, sensazioni forti e mai più dimenticate. Mi ricordo anche le prove che Cesco Baseggio veniva a fare, contorniato da giovanissimi attori, com la sua voce inconfondibile, arrochita dall’asma: un perfetto “Sior Todero brontolon”.
Spesso, quando veniva Lecoq, ci raggiungeva Marcello, un attore basso di statura, ma com un portamento maestoso: in queste occasioni casa mia diventava un vero e propeio palcoscenico, animatissimo e dagli esiti imprevedibili.
Soltanto dopo aver assistito per la prima volta, al seguito di mio padre, alle prove di Arlecchino servitore di due padroni al Piccolo di Milano, ho identificato in quel piccolo uomo il grande Moretti. Di quella giornata mi è rimasto vivissimo il ricordo di un momento preciso: Moretti interrompe bruscamente una battuta, si toglie com furia la maschera dal volto e, lasciando di sasso gli altri attori, imprecando e sbraitando in maniera inconsueta per il suo carattere timido e discreto, si avvia verso i camerini. Torna dopo breve tempo com la maschera “ferocemente” modificata: aveva allargato com le forbici i fori degli occhi, troppo piccoli e limitanti, a suo dire, e aveva creato dei buchi enormi e irregolari. La reazione di mio padre fu immediata e vivace; sorse un alterco tra lui e Moretti, subito sedato dall’intervento pacificatore di Strehler. Fu quella la genesi della nuova maschera, pensata e creata in aderenza alla fisicità dell’Arlecchino de Moretti, il quale spaziava per il palcoscenico com movenze feline.
Sbollita l’ira, infatti, mio padre nel suo laboratorio realizzò una maschera non legata all’iconografia tradizionale della Commedia Dell’Arte, ma adatta a un attore del teatro contemporaneo, nel caso specifico l’Arlecchino “gatto”, che lasciava all’occhio dell’attore agio per valutare, prima di muoversi, lo spazio a lui circostante.
Questi e altri episodi simili segnarono la mia infanzia; la maschera, oggetto “magico”, esercitava anche su di me la sua fascinazione: fu impossibile per me sottrarmi alla malia che emanava dall’universo artistico di mio padre. Trascorrevo le giornate nel suo atelier, prendevo confidenza e manipolavo i materiali, oggetto del suo lavoro, emulavo com infantile entusiasmo i suoi gesti. Assorbii quasi senza accorgermene una gamma ricchissima di tecniche della scultura, unite ai segreti del mestiere, e acquisii una conoscenza straordinaria dei materiali, tutti, a partire dalle materie plasmabili, per arrivare all’intaglio del legno, alla lavorazione del cuoio, alla fusione dei metalli, com i vari sistemi di saldatura e forgiatura, e altro. Andavo cosi formandomi, sotto l’influsso delle nuove correnti artistiche provenienti d’oltreoceano, un’identità creativa, che mi permise di collaborare a diversi progetti con uno stile personale. Quando la malattia limitò drasticamente l’attività di mio padre fino a interromperla com la morte, la mia preparazione mi consentì di affrontare l’enorme massa di problemi che venivano a mano a mano a proporsi. Non fu, tuttavia, automatico per me, dopo la sua scomparsa, accettarne l’eredità e decidere di continuare sulle sue orme: volevo avere uno spazio mio, un campo nel quale esprimermi autonomamente. La scultura alla quale mi appassionavo era molto diversa da quella di mio padre: non mi interessava più creare delle opere che avessero una fruizione di stampo storico, e cioè puramente decorativa o di arredamento o di iconografia per ambienti sai civili che religiosi, ma attraverso questi oggetti intendevo instaurare una comunicazione di tipo sociale. Bem presto, però, avvertii anche l’esigenza di difendere quanto egli aveva creato, di mantenerlo in vita e perpetuarlo, sai pure alla luce di criterî diversi, accogliendo le istanze di una società in rapida evoluzione in modo che la sua opera non diventasse una sorta di reperto archeologico. Il punto di incontro fu inventare delle sculture che avessero la valenza delle maschere, che funzionassero come strumento di comunicazione. Nacquero le Strutture Gestuali che rappresentarono il tentativo di far vivere le sculture in una dimensione sociale, di eliminare la triangolazione tradizionale artista-oggetto-fruitore, per raggiungere un contatto diretto, un dialogo, uno scambio tra autore e pubblico: l’opera deve fungere da catalizzatore delle energie latenti nello “spettatore”, toglierlo dallo stato di passività in cui si è sempre trovato per renderlo parte attiva e creativa. Viene così rinnovata l’identità dei Sartori in una adesione al mutare della società e dei linguaggi: l’avvertire le tensioni del presente, il percorrere com l’intuito i tempi produce una messe di idee, matrice di opere e di eventi calibrati su una reale esigenza del momento, in un continuo divenire. Di quale portata sai l’incidenza della nostra opera nel cammino della storia dell’arte saranno gli anni futuri a dirlo.

texto retirado do livro: Maschere e Mascheramenti / i Sartori tra arte e teatro

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